“Um cidadão acima de qualquer suspeita” – por Marco Antonio Villa

Marco Antonio Villa

Marco Antonio Villa

Luís Inácio Lula da Silva se considera um cidadão acima de qualquer suspeita. Mais ainda: acha que paira sobre as leis e a Constituição. Presume que pode fazer qualquer ato, sem ter que responder por suas consequências.

Simula ignorar as graves acusações que pesam sobre sua longa passagem pela Presidência da República. Não gosta de perguntas que considera incômodas. Conhecedor da política brasileira, sabe que os limites do poder são muito elásticos. E espera que logo tudo caia no esquecimento.

Como um moderno Pedro Malasartes vai se desviando dos escândalos. Finge ser vítima dos seus opositores e, como um sujeito safo, nas sábias palavras do ministro Marco Aurélio, ignora as gravíssimas acusações de corrupção que pesam sobre o seu governo e que teriam contado, algumas delas, com seu envolvimento direto.

Exigindo impunidade para seus atos, o ex-presidente ainda ameaça aqueles que apontam seus desvios éticos e as improbidades administrativas. Não faltam acólitos para secundá-lo. Afinal, a burra governamental parece infinita e sem qualquer controle.

Indiferente às turbulências, como numa comédia pastelão, Lula continua representando o papel de guia genial dos povos. Recentemente, teve a desfaçatez de ditar publicamente ordens ao prefeito paulistano Fernando Haddad, que considerou a humilhação, por incrível que pareça, uma homenagem.

Contudo, um espectro passou a rondar os dias e noites de Luís Inácio Lula da Silva: o espectro da justiça. Quem confundiu impunidade com licença eterna para cometer atos ilícitos está, agora, numa sinuca de bico.

O vazamento do depoimento de Marcos Valério – sentenciado no processo do mensalão a 40 anos de prisão ─ e as denúncias que pesam sobre a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, deixam Lula contra a parede. O figurino de presidente que nada sabe, o Forrest Gump tupiniquim, está desgastado.

No processo do mensalão Lula representou o papel do traído, que desconhecia tratativas realizadas inclusive no Palácio do Planalto – o relator Joaquim Barbosa chamou de “reuniões clandestinas” ─; do mesmo modo, nada viu de estranho quando, em 2002, o então Partido Liberal foi comprado por 10 milhões, em uma reunião que contou com sua presença.

Não percebeu a relação entre o favorecimento na concessão para efetuar operações de crédito consignado ao BMG, a posterior venda da carteira para a Caixa Econômica Federal e o lucro milionário obtido pelo banco.

Também pressionou de todas as formas, para que, em abril de 2006, não constasse do relatório final da CPMI dos Correios, as nebulosas relações do seu filho, Fábio Luís da Silva, conhecido como Lulinha, e uma empresa de telefonia.

No ano passado, ameaçou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Fez chantagem. Foi repelido. Temia o resultado do julgamento do mensalão, pois sabia de tudo. Tinha sido, não custa lembrar, o grande favorecido pelo esquema de assalto ao poder, verdadeira tentativa de golpe de Estado.

A resposta dos ministros do STF foi efetuar um julgamento limpo, transparente, e a condenação do núcleo político do esquema do mensalão, inclusive do chefe da quadrilha – denominação dada pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel ─ sentenciado também por corrupção ativa, o ex-ministro (e todo poderoso) José Dirceu, a 10 anos e 10 meses de prisão. Para meio entendedor, meia palavra basta.

As últimas denúncias reforçam seu desprezo pelo respeito às leis. Uma delas demonstra como sempre agiu. Nomeou Rosemary Noronha para um cargo de responsabilidade. Como é sabido, não havia nenhum interesse público na designação.

Segundo revelações divulgadas na imprensa, desde 1993 tinham um “relacionamento íntimo” (para os simples mortais a denominação é bem distinta). Levou-a a mais de duas dúzias de viagens internacionais ─ algumas vezes de forma clandestina ─, sem que ela tenha tido qualquer atribuição administrativa.

Nem vale a pena revelar os detalhes sórdidos descritos por aqueles que acompanharam estas viagens. Tudo foi pago pelo contribuinte. E a decoração stalinista do escritório da presidência em São Paulo? Também foi efetuada com recursos públicos.

E, principalmente, as ações criminosas dos nomeados por Lula ─ para agradar Rosemary ─ que produziram prejuízos ao Erário, além de outros danos? Ele não é o principal responsável? Afinal, ao menos, não perguntou as razões para tais nomeações?

Se isto é motivo de júbilo, ele pode se orgulhar de ter sido o primeiro presidente que, sem nenhum pudor, misturou assuntos pessoais com os negócios de Estado em escala nunca vista no Brasil. E o mais grave é que ele está ofendido com as revelações (parte delas, registre-se: e os 120 telefonemas trocados entre ele e Rosemary?).

Lula sequer veio a público para apresentar alguma justificativa. Como se nós, os cidadãos que pagamos com os impostos todas as mazelas realizadas pelo ex-presidente, fôssemos uns intrusos e ingratos, por estarmos “invadindo a sua vida pessoal.”

Hoje, são abundantes os indícios que ligam Lula a um conjunto de escândalos. O que está faltando é o passo inicial que tem de ser dado pelo Ministério Público Federal: a investigação das denúncias, cumprindo sua atribuição constitucional.

Ex-presidente, é bom que se registre, não tem prerrogativa de estar acima da lei. Em um Estado Democrático de Direito ninguém tem este privilégio, obviamente. Portanto, a palavra agora está com o Ministério Público Federal.

“Seis meses de governo” – Dilma num mar de turbulências inédito

O último ministro à abandonar o governo Dilma - Alfredo Nascimento

Quando Antonio Palocci pediu demissão da Casa Civil, no início de junho, o governo tentou tomar as rédeas da situação e engrenar uma agenda positiva para virar a página. Passado exato um mês da saída do ministro, a gestão Dilma Rousseff continua envolta em escândalos e denúncias em série. Não consegue engatar a segunda – que dirá um segundo mandato…

Nestes últimos 30 dias, o governo teve de ocupar-se em tempo integral em explicar mais uma sucessão de malfeitos. Não houve uma única iniciativa oficial neste período que pudesse ser classificada como positiva; a pauta manteve-se sempre negativa. Não é qualquer factoide que suplanta a realidade.

Teve aloprado abrindo a boca para dizer que ministro de Estado negociou “missões heroicas” no submundo do crime para usar no jogo baixo da política. Teve esforço desesperado dos governistas para impor sigilo a tudo o que interessa à sociedade – do custo das obras que seus impostos custeiam aos registros da História que protagonizou. Teve grosso dinheiro público sendo gasto em proveito de bilionários e nebulosos negócios privados.

Ou seja, mal completou seus primeiros seis meses de governo, Dilma meteu-se num mar de turbulências inédito para presidentes da República eleitos pelo voto popular. Nada hoje indica que poderá vir a encontrar calmaria mais à frente.

Nada permite que ela diga, também, que esteja sendo surpreendida por fatos gerados por uma estrutura carcomida pela corrupção. Dilma é sócia, gestora e partícipe do estado das coisas que hoje reina no poder central.

O cambaleante Alfredo Nascimento, por exemplo, ocupa desde 2004 o mesmo Ministério dos Transportes em que irregularidades tornaram-se regra. Afastou-se apenas temporariamente para disputar as eleições do ano passado e foi reconduzido em janeiro por Dilma, por determinação de Lula. Não é crível que não saiba o que lá acontece cotidianamente.

Hoje, mais um escândalo envolvendo Nascimento vem a público. Informa O Globo que o Ministério Público Federal está investigando suposto enriquecimento ilícito de Gustavo Morais Pereira, arquiteto de 27 anos filho do ministro. “Dois anos após ser criada com um capital social de R$ 60 mil, a Forma Construções, uma das empresas de Gustavo, amealhou um patrimônio de mais de R$ 50 milhões, um crescimento de 86.500%”, diz a reportagem.

Com longo histórico de descalabros à frente da pasta, cabe perguntar que efeitos terá a suspensão, por meros 30 dias, de novas licitações, determinada ontem pelo governo. Provavelmente, nenhum. Há toda uma herança de descontrole instalada lá.

A suspensão atinge obras e serviços do Dnit e da Valec no valor de R$ 2,25 bilhões. Entre elas, estão melhorias nas rodovias federais de Mato Grosso, estado do exonerado-mas-não-tanto presidente do Dnit; instalação de postos de pesagem que se arrasta desde 2007; e contratação de consultorias para fazer estudos já prontos.

Os dutos por onde escorrem os “pedágios” cobrados pelo PT e seus aliados são, porém, muito mais grossos. Apenas o Dnit executa atualmente 1.080 contratos de obras, volume que soma investimentos totais de R$ 41 bilhões. Só os 4% a 5% cobrados pelos “republicanos” encastelados nos Transportes já dariam uma fábula de dinheiro…

O Dnit é um mero microcosmo da administração federal. O Valor Econômico mostra que todas as 250 grandes obras realizadas no país tiveram aumento de preço de pelo menos 45% em relação ao orçamento original. O levantamento foi feito pela Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado, presidida pela senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO).

O principal facilitador para tão generosos aumentos – feitos por meios de aditivos contratuais permitidos por lei – seria a deficiência dos projetos básicos que precedem a contratação das obras. Se já é ruim hoje, imagine como vai ficar após a aprovação do Regime Diferenciado (ou seria “Desesperado”?) de Contratações?

Pelo novo modelo – que deve ir a votação final hoje no Senado e o governo quer agora disseminar por todas as obras públicas do país, a começar por todos os aeroportos – nem o projeto básico será mais necessário para a licitação. Bastará um pré-projeto de engenharia, basicamente um esboço. Deveria ser o contrário: as obras só deveriam sair após a elaboração do projeto executivo, mais detalhado, rigoroso e próximo da realidade.

Toda esta situação justifica, com sobras, a instalação de uma CPI para investigar o que acontece no Dnit, algo que o senador tucano Mário Couto tenta desde o ano passado. Um governo que vive de escândalos em tempo integral deve muitas explicações à sociedade, sem apelar para pirotecnias.