Monteiro Lobato e sua crítica social: Onde está a virtude cívica do povo? – por Moacir Pereira Alencar Junior

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Monteiro Lobato

Neste artigo busco analisar parte da trajetória de Monteiro Lobato, destacando que a construção da sociedade brasileira seguiu uma perspectiva que perpetua as raízes do Iberismo em nossas relações sociais. Em meio aos privilégios e ao clientelismo, o empreendedorismo da colonização brasileira ganhou forma e conteúdo.

Mas a sociedade brasileira que produzimos, ainda permanece composta por milhões de “cidadãos” não ativos, no que se refere ao papel de ação e atuação frente ao Estado por direitos e representatividade.

A literatura militante de Lobato procurava conquistar um público cada vez mais amplo, apontar para seus leitores os problemas do país e convidá-los para a ação.

Lobato busca desconstruir a figura romântica criada em torno do caboclo, onde o indianismo o torna um dos principais exemplos de idealização da realidade brasileira,  um símbolo idealizado da nacionalidade, junto com os índios. Nas palavras de Monteiro Lobato: Pobre Jéca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!

O intelectual e a política – por Václav Havel

Václav Havel, falecido a 18 de Dezembro, era aquele intelectual raro que, em vez de forçar a sua entrada na política, viu a política ser-lhe imposta. Em 1998, enquanto era Presidente da República Checa, ofereceu esta reflexão sobre os benefícios e os perigos da sua opção de carreira.

Figura central na revolução de VELUDO - Václav Havel

Será que um intelectual – por virtude dos seus esforços em ir além da superfície das coisas, em entender relações, causas e efeitos, em reconhecer os itens individuais como partes de entidades maiores e assim derivar uma consciência mais profunda desses factos e uma responsabilidade pelo mundo – se adequa à política?

Posto deste modo, cria-se uma impressão que considero ser o dever de qualquer intelectual de participar na política. Mas isso é absurdo. A política também envolve um número de requisitos especiais que só a ela são relevantes. Algumas pessoas preenchem esses requisitos; outras não, independentemente de serem intelectuais.

É minha convicção profunda que o mundo precisa – hoje mais que sempre – de políticos iluminados e previdentes que sejam suficientemente arrojados e tolerantes para considerar coisas que estão para além do âmbito da sua influência imediata tanto no espaço como no tempo. Precisamos de políticos dispostos e capazes de se erguer acima dos seus próprios interesses, ou dos interesses particulares dos seus partidos ou estados, e de agir de acordo com os interesses fundamentais da humanidade de hoje – isto é, de se comportar do modo que todos se deviam comportar, mesmo que a maior parte não o faça.

Nunca antes a política esteve tão dependente do momento, das disposições fugazes do público ou dos meios de comunicação. Nunca antes foram os políticos tão impelidos a perseguir o efémero e o tacanho. Parece-me muitas vezes que a vida de muitos políticos prossegue do noticiário televisivo de uma noite, para a sondagem à opinião pública da manhã seguinte, para a sua imagem televisiva na noite seguinte. Não tenho a certeza se a era actual de meios de comunicação de massas encoraja a emergência e crescimento de políticos da estatura de, digamos, um Winston Churchill; duvido que tal aconteça, embora possam sempre haver excepções.

Resumindo: quanto menos a nossa época favorece os políticos que se entregam a reflexões de longo prazo, mais esses políticos são necessários, e portanto mais intelectuais – pelo menos aqueles que correspondem à minha definição – deviam ser bem-vindos na política. Esse apoio poderia ser proveniente, entre outros, daqueles que – por qualquer razão – nunca entram na política, mas que concordam com esses políticos, ou pelo menos partilham a natureza moral subjacente às suas acções.

Oiço objecções: os políticos devem ser eleitos; as pessoas votam em quem pensa como elas. Se alguém quer progredir em política, deve prestar atenção à condição geral da mente humana; deve respeitar o ponto de vista do chamado eleitor “médio”. Um político deve, goste ou não, ser um espelho. Não deve ousar ser um arauto de verdades impopulares, pois o reconhecimento das quais, embora talvez no interesse da humanidade, não é considerado pela maioria do eleitorado como fazendo parte das suas preocupações imediatas, ou poderá mesmo ser considerado como antagonista dessas preocupações.

Estou convencido de que o propósito da política não consiste em satisfazer desejos de curto prazo. Um político também deve procurar o apoio popular às suas próprias ideias, mesmo que impopulares. A política deve implicar convencer os eleitores de que o político reconhece ou compreende algumas coisas melhor do que eles, e é por essa razão que devem votar nele. As pessoas podem assim delegar num político certos assuntos que – por uma variedade de razões – não conseguem apreender, ou com os quais não se querem preocupar, mas que alguém tratará por eles.

Claro, todos os sedutores das massas, tiranos potenciais, ou fanáticos, usaram este argumento para suportar a sua posição; os comunistas fizeram o mesmo quando se declararam o segmento mais iluminado da população e, por virtude desta alegada iluminação, arrogaram-se o direito de governar arbitrariamente.

A verdadeira arte da política é a arte de ganhar o apoio das pessoas para uma boa causa, mesmo quando a perseguição dessa causa possa interferir com os seus interesses particulares momentâneos. Isto devia acontecer sem impedir alguma das muitas maneiras em que podemos confirmar que o objectivo é uma boa causa, garantindo assim que cidadãos confiantes não são dirigidos para servir uma mentira e sofrer desastres como consequência, numa busca ilusória de prosperidade futura.Deve ser dito que existem intelectuais que possuem uma muito especial capacidade para cometer este mal. Elevam o seu intelecto acima do de todos os outros e eles próprios acima de todos os seres humanos. Dizem aos seus concidadãos que se não entendem o brilho do projecto intelectual que lhes é oferecido, é porque são mentalmente limitados e ainda não se içaram às alturas habitadas pelos proponentes do projecto. Depois de tudo o que passámos no século XX, não é muito difícil reconhecer como pode ser perigosa a atitude deste intelectual – ou antes, deste quase-intelectual. Lembremo-nos de quantos intelectuais ajudaram a criar as várias ditaduras modernas!

Um bom político deve ser capaz de explicar sem tentar seduzir; deve procurar humildemente a verdade deste mundo sem clamar ser o seu dono profissional; e deve alertar as pessoas para as boas qualidades que possuem, incluindo um sentido dos valores e interesses que transcendem o pessoal, sem se apropriar de um ar de superioridade nem impor o que seja aos seus iguais. Não deve ceder aos ditames dos humores públicos ou dos meios de comunicação de massas e ao mesmo tempo nunca dificultar o escrutínio constante das suas acções.

No reino de uma tal política, os intelectuais deviam fazer sentir a sua presença numa de duas maneiras possíveis. Podiam – sem achar isso vergonhoso ou aviltante – aceitar um cargo político e usar essa posição para fazer o que consideram correcto, não apenas para se agarrar ao poder. Ou poderiam ser quem empunha um espelho para os que estão em posição de autoridade, garantindo que os últimos servem boas causas e que não começam a usar lindas palavras como uma máscara para más acções, como aconteceu a tantos intelectuais na política nos últimos séculos.


Quanto mais, menos – Por Luiz Roberto Liza Curi

“O êxito das universidades e faculdades do nosso país deve ter como expressão principal a qualidade dos concluintes, e não o número de ingressantes” 

A expansão do ensino superior no Brasil saltou de 1,945 milhão de matrículas em 1998 para 6.379.299 em 2010. Desse volume de matrículas, 4.736.001, perto de 75%, pertencem às instituições privadas.  A pós-graduação cresceu mais de 150% em menos de dez anos. São 173 mil matrículas, sendo 144.911 (95%) em instituições públicas. Titula 50 mil mestres e doutores por ano, com um padrão de qualidade internacional.

Mas se o aumento dos pesquisadores no Brasil é comemorado como um bem nacional, o do número de graduados nem tanto. Essa expansão, sancionada por um complexo e consistente sistema de avaliação, é um significante com diversos significados. De um lado, é apontada com certa desconfiança por parcelas da opinião pública. Algumas organizações profissionais associam explicitamente a expansão do ensino superior com a má formação. De outro lado, ela é vista como um termômetro de mobilização de investimentos financeiros pelas chamadas redes de instituições.

De nenhum lado, no entanto, a expansão, especialmente do setor privado, foi vista ou analisada como fator essencial ao desenvolvimento e à sustentação da nação. Será justo admitir que essa expansão seja um problema capaz de gerar uma lacuna no país? No Brasil, a universalidade do acesso ao ensino superior é, de fato, um problema. Temos menos de 16% da população de 18 a 24 anos matriculada em cursos superiores. Perdemos do Paraguai (18%) e da Argentina (48%), passamos longe de Portugal (50%) e não conseguimos divisar a Coreia (78%).  Configura-se, assim, uma situação aparentemente injusta. Um índice de cobertura da população tão baixo em um setor tão criticado pelo ritmo de sua expansão!

Devemos esperar uma qualidade cada vez mais suspeita na medida em que as matriculas crescem? É preciso reconhecer que não. É louvável o acesso dos cidadãos de baixa renda e a ampla inclusão da chamada nova classe média ao ensino superior. O problema da entrada vai se resolvendo. Falta, ainda, resolver o da saída.

O êxito de universidades, centros universitários e faculdades deve, principalmente, ser expressão da qualidade de seus concluintes, e não do número de ingressantes.O excelente trabalho que o Ministério da Educação desenvolve na avaliação do ensino superior, que por si faz muito pelo país, deve incentivar a transformação de currículos e conteúdos na direção dos desafios sociais e tecnológicos contemporâneos.

Seria bem-vinda uma ampla interação entre a avaliação e outras políticas públicas que estimulassem as instituições de ensino superior a formar profissionais em áreas estratégicas e prioritárias ao desenvolvimento do país. Sem essa articulação a avaliação vai se transformando num instrumento do Estado destinado a proteger a sociedade de uma expansão tida como suspeita. A dimensão do sistema de ensino superior brasileiro não pode, na direção e na velocidade econômica que o país necessita, representar, apenas, milhões de matriculas.

LUIZ ROBERTO LIZA CURI, sociólogo, é diretor nacional de educação superior e pesquisa do SEB SA. Foi diretor de políticas de educação superior do Ministério da Educação.