Democracia Made in Paraguay – por Moacir Pereira Alencar Junior

Alguns pontos históricos da Capital paraguaia – Assunção

Já se foram duzentos anos de sua Indepêndencia, que se deu em 1811. Como ex-colônia espanhola, o Paraguai viveu sucessivos períodos de grande instabilidade e autoritarismo.

Os índios guaranis eram os nativos quando a história do território passou a ser regida pelos exploradores espanhóis, no ano de 1530. No século XVII, a escravidão forçada de índios guaranis por parte da Metrópole, resultou em um choque constante entre jesuítas e colonizadores. Mais de 30 missões foram criadas com intuito de dar respaldo ao povo guarani frente aos ataques constantes de espanhóis e portugueses caçadores de escravos. O grande massacre sobre os indígenas ganhou forma e impacto na segunda metade do Século XVIII, quando se dá a expulsão de jesuítas das colônias portuguesas e do restante da América, respectivamente nos anos de 1759 e 1767.

O primeiro governo republicano do Paraguai é de José Gaspar Rodríguez Francia, que governa ditatorialmente entre os anos de 1814-1840, adotando ações de grande isolamento frente as nações vizinhas. Seu sucessor seria Carlos Antonio López, um dos pioneiros na industrialização, e o primeiro a construir uma ferrovia na América do Sul. Com sua morte, em 1862, seu filho, Solano López, assume.

Neste período, na segunda metade do Século XIX, os governantes brasileiros viam a Argentina e seus vizinhos como repúblicas instáveis e não confiáveis, governadas por caudilhos bárbaros. O papel do Brasil na região era conter o expansionismo argentino e dar um exemplo de civilização.

Com o Paraguai, o Brasil tinha problemas de fronteira, mas os diplomatas brasileiros achavam que tudo se poderia resolver sem guerra. O saudoso Visconde de Rio Branco, julgava que,  por ser mais fraco, o país não recorreria a meios bélicos. No entanto, as coisas haviam mudado no Paraguai desde a posse de Solano, sem que a diplomacia percebesse. Solano, general do Exército desde os 19 anos, adotou política agressiva e ambiciosa e preparou-se para a guerra; sua ambição era tornar o Paraguai uma potência regional. O resultado já é conhecido, cerca de metade da população paraguaia morreu nesta guerra, que acabou levando Argentina, Uruguai e Brasil a anular as forças de Solano López. Nas palavras de Dom Pedro II, em janeiro de 1869: “López e sua influência representam um sistema de governo com o qual não podemos ter segurança , ao menos enquanto os anos não operarem uma mudança. Cumpre, pois, destruir completamente esta influência , direta ou indireta, capturando ou expelindo López, por meio do emprego da força, do território paraguaio”.

Solano López, o presidente do Paraguai, em charge de Ângelo Agostini. A legenda da época diz: “O Nero do Século XIX – Projeto de Monumento que os paraguaios reconhecidos pretendem erigir a Francisco Solano López” – 12/06/1869

Na década de 1930, agora contra a Bolívia, ocorreu a Guerra do Chaco (1932-1935), onde o Paraguai conquistou três quartos do terrítorio pertencente a Bolívia. Na sequência, no ano de 1936, ocorreu a Revolução Febrerista, liderada por Rafael Franco, que faz a reforma agrária e nacionaliza parte da economia; estas ações e medidas levam a um novo golpe em 1937, onde os liberais chegam ao poder. Durante mais de 50 anos, 1937-1989, o país foi palco de constantes golpes e contra-golpes nada democráticos. A ditadura de maior destaque neste período foi a de Alfredo Stroessner, que vai de 1954-1989.

Diferentemente do Brasil – onde ocorreu uma abertura rumo a democracia de forma lenta, gradual e segura – o que tira Stroessner do poder em 1989, é outro golpe de Estado. Stroessner se asila no Brasil, e assiste o líder do Golpe – Andrés Rodriguez –  eleger-se presidente em maio do mesmo ano, governando o país até 1993.

De 1993 até hoje, a política paraguaia foi cercada de tentativas de golpe, assassinatos, narcotráfico, corrupção e destituições.

Wasmozy (1993-1998), Raúl Cubas (1998-1999), Luiz Macchi (1999-2003), Nicanor Duarte (2003-2008), foram presidentes que representaram o Partido Colorado; partido que apresentou uma forte fragmentação em vários momentos deste período (1993-2008).

As disputas internas do partido levaram a um choque entre Wasmozy e o General Lino Oviedo –  em 1996 – que resultou em uma tentativa de golpe frustrada. Em 1998, Oviedo é condenado pelo Tribunal Militar a dez anos de prisão, por tentativa de golpe. Porém, Cubas, ao assumir em 1999, liberta Oviedo por decreto, desrespeitando a Corte Suprema do país.

Também no governo Cubas, ocorre o assassinato do vice-presidente da República – Luis Maria Argaña – morto a tiros em Assunção, em março de 1999. Cubas é apontado com Oviedo, como mandante do crime; isto faz com que ele renuncie e se refugie no Brasil.

Macchi assumiu como presidente – por ser o líder do Congresso – e sofreu logo em seguida uma nova tentativa de golpe fracassada. Novamente a acusação do golpe caiu sobre Lino Oviedo, que acabou sendo preso por policiais brasileiros em Foz do Iguaçu e levado pra Brasília, onde aguardou extradição até 2004.

Tanto Cubas quanto Oviedo, quando retornam ao Paraguai – respectivamente nos anos de 2002 e 2004 – são presos. A situação de instabilidade era tão grande no país – que vivia em uma espécie de estado de sítio –  que o próprio Congresso aprovou em 2005, a presença de tropas norte-americanas em seu território até 2006.

Luis Macchi, o presidente tampão que governou até 2003, também foi condenado em dois processos em que foi acusado de corrupção: a seis anos de prisão por desvios de recursos públicos e a oito anos por enriquecimento  ilegal e  falso testemunho.

A ruptura com os 61 anos de governo do Partido Colorado só terminou em 2008, com a chegada do ex-Bispo Fernando Lugo à presidência da República. Em uma coalizão heterogênea chamada Aliança Patriótica para a Mudança (APC) – que reúne partidos de extrema-esquerda e de centro-direita –  Lugo é eleito com 42,4% dos votos. (Vale se ressaltar que um dos candidatos derrotados por Lugo é o General Lino Oviedo – responsável por incontáveis tentativas de golpe durante a década de 1990, além de ser um dos responsáveis pela morte do vice-presidente Luis Maria Argaña no ano de 1999.)

Lugo governou por mais de quatro anos sem a maioria no Congresso, que tinha o Partido Colorado como força majoritária.

Lugo, após enfrentar o escândalo de paternidade – onde cinco mulheres declararam terem tido filhos com ele – admitiu ser pai de apenas uma criança de 2 anos, que nasceu antes dele renunciar ao clero. Ainda no segundo semestre de 2009, Lugo autorizou a abertura de todos os arquivos das Forças Armadas  que tratam da ditadura de 35 anos de Stroessner – que morreu em Brasília, no ano de 2006.

Em meio a um cenário de constante instabilidade, departamentos do norte do país vivem sempre ameaçados pelas ações do grupo armado Exército do Povo Paraguaio (EPP), guerrilha de esquerda, que intensificou suas ações a partir de 2010. A guerrilha é acusada de ações de sequestro e vínculos com o narcotráfico, sendo que algumas regiões são colocadas em estado de exceção para facilitar a captura de rebeldes. Soma-se a isso os confrontos envolvendo agricultores e grandes fazendeiros em variadas partes do país.

Em setembro de 2011, já reconhecendo a dificuldade de governar uma nação fragilmente institucionalizada e altamente fragmentada, Lugo promoveu uma reformulação na cúpula militar: pela terceira vez desde que assumiu a presidência, substituiu o chefe máximo militar; e pela quinta vez trocou a chefia das três Forças Armadas. Analistas creditavam essas mudanças constantes a temores de que militares estariam tramando um golpe.

Mas o que assistimos neste mês de junho de 2012, foi uma nova forma de destituir presidentes ineficazes do cargo. O Congresso teve como parâmetro – pela primeira vez na história do país –  a Constituição. Logicamente nem todos ficarão felizes. Mas para um país onde a lei nunca foi levada a sério, isto já é um grande passo. Tudo ocorreu sem sangue, sem defesas insandencidas de grupos dito populistas. Creio que devemos dar crédito ao Legislativo paraguaio nesta ação. Já é sabido que a democracia é um tesouro inalcançável, e que no caso paraguaio, ela não passa de uma imposição externa de horizontes distantes a realidade da nação.

Não faço um discurso em prol do autoritarismo, muito pelo contrário; mas apenas destaco que a cultura cívica paraguaia se construiu em cima de um sólido arcabouço autoritário e altamente oligárquico; e que não será de uma hora para outra que tudo ganhará semblantes e aspectos efetivamente justicialistas e altamente  universalistas  (na questão de participação popular).

Vejamos o resultado da Primavera Árabe Egípcia. Os cidadãos que lutaram por uma democracia, virão a eleger um representante da própria ditadura predecessora -Ahmed Shafiq – que tinha como figura Hosni Mubarak;  ou elegerá um radical islâmico – Mohamed Morsi. Tá cada vez mais claro em diferentes nações do mundo, que a simples imposição da ideia de democracia ocidental não é a solução mais viável para diferentes povos e culturas.

A democracia quando adotada nestas nações,  nada mais é do que um eufemismo para expressões mais realistas como: governos aristocráticos, oligárquicos ou autocráticos, com breves modernizações conservadoras, que não rompem com o projeto histórico que impregna as instituições sempre altamente necessitadas do Estado e suas ações totalizantes.

A democracia Made in Paraguay pode ser encontrada em dezenas de nações do mundo. Ela nada mais é do que uma falácia eufemística...um instrumento pra agradar os crentes nesta forma de governo cada vez mais desgastada e repleta de lacunas. A democracia é uma homenagem a ‘dificuldade de dissidência’ e a ‘tirania da maioria’.