Hospital-Escola de São Carlos – da pedra fundamental ao abandono total – por Moacir Pereira Alencar Júnior

Hospital-Escola de São Carlos agoniza

“Hospital-Escola de São Carlos agoniza”

Lembro-me como se fosse agora – 31 de março de 2005 – o lançamento da pedra fundamental que daria início as obras de construção do Hospital-Escola de São Carlos iria ser oficializado. Era uma quinta-feira, eu estava tendo aula na UFSCar pela manhã (era então graduando de estatística), e muitos de meus colegas resolveram assistir a este cerimonial. O evento começou por volta das 10h da manhã, contando com um atraso característico dos cerimoniais públicos que ocorrem no país.

Estavam presentes ao evento, o então presidente Lula; José Dirceu, então ministro da Casa Civil; o então prefeito, Newton Lima; o então Ministro da Saúde, Humberto Costa; Márcio Fortes, então Ministro-interino do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Ricardo Berzoini, então Ministro do Trabalho; Eduardo Campos, então Ministro da Ciência e Tecnologia; o general Jorge Armando Félix, então ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional; Oswaldo Baptista Duarte Filho (Barba), então reitor da Universidade Federal de São Carlos; assim como o então Senador Aloisio Mercadante, e os deputados federais João Paulo Cunha, João Herrmann, Barbieri, Roberto Gouveia, Marquezelli, Iara Bernardi e Lobbe Neto.

O discurso de Lula, investido de grande retórica, já dizia que seus dois anos de governo (2003-2004), tinham sido melhores dos que os 10 anos anteriores. Em suas palavras:”quisera Deus que o Brasil tivesse crescido nos últimos dez anos o que cresceu nos nossos dois primeiros anos”. A arte do discurso falacioso e destrutivo contra  seus antecessores já era arma consagrada de Lula. Não deve ser esquecido as vaias que Lula recebeu neste evento, uma vez que ele também aproveitou a ocasião pra falar da Reforma Universitária que viria a ser posta em prática pelo governo federal em breve. Neste contexto todo o movimento estudantil se mostrava contra a aprovação do REUNI, e foi assim até o último momento, quando o mesmo foi aprovado tendo grande oposição dos estudantes das universidades federais do país.

Lula destacou neste mesmo dia, a oficialização do apoio a criação do curso de Medicina da UFSCar. Em suas palavras: “O nosso papel é cuidar, companheiro Newton, para que outras cidades recebam os mesmos benefícios que São Carlos está recebendo. São Carlos já é uma cidade com boa infra-estrutura, já é uma cidade com uma belíssima universidade, mas não era possível que aqui não tivesse um hospital-escola, uma faculdade para ensinar medicina e, sobretudo, ensinar dando uma conotação de formação aos profissionais, para que eles aprendam a medicina social, o médico de família, para que saiam da universidade e possam trabalhar no serviço público com orgulho, não apenas pensar em se formar para montar um gabinete e ganhar dinheiro às custas da doença do povo pobre deste país. É importante que mesmo tendo o seu consultório, o médico tenha um tempo para trabalhar na rede pública para ajudar os milhões de brasileiros que só têm acesso à rede pública de saúde deste Brasil”.

Começava neste momento a história conturbada e inacabada do Hospital-Escola de São Carlos, e do malfadado curso de Medicina da UFSCar- que se iniciou no vestibular 2006, tendo uma concorrência de quase 200 candidatos/vaga no ano de lançamento – mais exatamente 191,88 candidatos/vaga.

Ao fim de 2006 – mais exatamente novembro – o grupo responsável por  avaliar o papel do Hospital-Escola na integração à Rede de Cuidados com a Saúde recomendava a inserção do hospital como Unidade de Urgência e Emergência, de modo a ter uma capacidade instalada de retaguarda no atendimento aos pacientes de risco. O primeiro módulo deveria ter leitos com características de suporte semi-intensivo e também contar com o apoio da Santa Casa de São Carlos, vindo a ser coordenado pela Central Municipal de Regulação Municipal. O projeto básico da Central já estaria estruturado e a sua instalação ocorreria com o objetivo de regular tanto a disponibilidade de vagas hospitalares, urgência e emergência quanto de consultas para iniciar o funcionamento junto com o hospital.

O primeiro módulo do Hospital-Escola Municipal viria a ser uma Unidade de Urgência e Emergência com suporte técnico para atendimento de vítimas em situação de risco. A cidade de São Carlos disporia em 2006 de dois tipos de leitos hospitalares: os comuns para a internação de pacientes na Santa Casa e os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Os 32 leitos do primeiro módulo do Hospital-Escola teriam o objetivo de desafogar o atendimento nos leitos da Santa Casa, vindo a atender a demanda do atendimento intermediário para os pacientes que não necessitassem da UTI, mas que precisassem de um leito com retaguarda maior que a de um leito normal.

Após 32 meses de obras – março de 2005 à novembro de 2007 – o primeiro módulo do Hospital-Escola era inaugurado. A princípio ele nascia como uma “virtual” base vital de suporte ao curso de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O hospital foi construído com recursos do Ministério da Saúde e da prefeitura, e atenderia pacientes do Sistema Único de Saúde. O hospital também serviria para o aprendizado dos médicos residentes a serem formados pela UFSCar. O então secretário de Saúde de São Carlos, Artur Pereira,  informava também que a conclusão do segundo módulo atenderia os alunos da UFSCar, que necessitariam da conclusão da obra para terem acesso a todos os equipamentos de um hospital. O segundo módulo contaria com 188 leitos de internação, nas áreas clínica, cirúrgica, pediátrica e obstétrica, além de laboratório de analises clínicas, UTI adulto, centro cirúrgico e obstétrico e serviços de apoio como manutenção, lavanderia, nutrição e dietética e central de esterilização de materiais.

Entre 2008-2013, mais de cinco anos, ocorreu problemas sistemáticos de gestão e ação da Reitoria da UFSCar com relação ao Hospital-Escola e o curso de Medicina. A incompetência do reitor Targino de Araújo Filho ( incrivelmente eleito (como!?) para um segundo mandato em 2012) foi fator central do descaso e da situação calamitosa do curso de medicina hoje. A retórica, típica de Lula, também passou a ser o modo de ação do reitor Targino, que é totalmente  incapaz de gerir o curso (também a universidade) que ganha a maior verba da instituição e é mantido na UTI ad eternum. Mas também não podemos esquecer do Barba…o então reitor da UFSCar entre 2001-2008, e prefeito do município entre 2009-2012, não teve capacidade alguma de levar adiante a tão ‘sonhada’ regularização plena do funcionamento do hospital e a parceria junto aos alunos de medicina, que foram deixados a míngua da maneira mais clamorosa possível. Foram 4 anos de tergiversações (pra usar a expressão da presidenta Dilma) como prefeito sem agir de modo eloquente pela redinamização da funcionalidade do Hospital e a eficiência das parcerias junto ao curso de Medicina (até hoje o módulo 2 do Hospital-Escola está inacabado).

Somado a isso, a população que depende do SUS (eu e meus pais já utilizamos mais de uma dúzia de vezes os serviços do Hospital-Escola), recorrem a um “hospital” (puxadinho) que não tem condições de atender de maneira adequada a população já de longa data. A entrada de Altomani no poder no ano de 2013 – como novo prefeito de São Carlos – veio a acelerar o processo de total paralisia do Hospital-Escola. Uma incompetente administração nestes seis meses iniciais decretou o ponto de alerta da situação periclitante que vive o Hospital- Escola.

O início de 2013 contou com um greve de estudantes da Medicina que durou mais de 80 dias, e não se conseguiu chegar a um ‘mínimo denominador comum’ da questão  problemática do curso junto a Reitoria. Agora a prefeitura atual, administrada por Paulo Altomani (dizem que ele consegue administrar, será?! Parece que não sabe agir de modo coeso em nada) vem a somar as forças de incompetência que gerem(geriram) o município e a universidade nos últimos 12 anos.

A questão em debate paira acima dos partidos, está em jogo a situação da saúde do município, que hoje tem como secretário interino de Saúde, um completo incompetente, Julio César Soldado, inapto mesmo pra administrar uma portaria de prédio (ser porteiro não é demérito, que fique bem claro!), imagine então uma Secretaria de Saúde de uma cidade de mais de 220 mil habitantes (pasmem, ele também é secretário de Governo). Este senhor não tem nenhum conhecimento da área profissional de medicina, e se tornou o tampão titular do Altomani para ocupar todas as secretarias que vão sendo abandonadas neste governo (e já foram 5).

Júlio César Soldado, o mestre da incompetência da Gestão Altomani - multitarefas, gerencia duas secretarias.

Júlio César Soldado, o mestre da incompetência da Gestão Altomani – multitarefas, gerencia duas secretarias.

A população tem que agir…..assim como tivemos a manifestação no final de junho pela baixa das passagens de ônibus (que obteve êxito), está na hora da população são-carlense, tanto estudantes como demais trabalhadores atuarem de modo efetivo pela melhora do sistema de saúde da cidade.Vamos nos unir em um verdadeiro ATO, distante de partidarização (mas que tenha militantes de variados partidos), que realmente venham a mostrar aos poderes municipal e federal, nosso total descontentamento com tudo isto que ocorre em São Carlos. Uma MOBILIZAÇÃO que consiga de fato reverberar o abandono do sistema de saúde da cidade e do país…este é o momento.