“DIREITOS HUMANOS E O PAPEL DO ESTADO NA CONDUÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL” – por Moacir Pereira Alencar Junior

Objetivos

A questão dos direitos humanos, no ano de 2008, ganhou nova representatividade no cenário internacional, devido ao aniversário de 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Tendo em vista os direitos humanos e o papel do estado na condução das relações sociais, buscarei analisar os problemas existentes em nosso meio social, fazendo uma análise das obras de alguns autores que tratam de estudos relacionados a violência em nossa contemporaneidade, e o papel do estado nesta questão,ora como defensor , ora como executor do ato coercitivo.

As lacunas existentes entre os diversos grupos sociais e o estado levam a constantes embates sobre o verdadeiro papel do cidadão no meio social. Deste modo, em que medida o cidadão poderá vir a ser imprescindível para, junto do Estado, ter seus direitos legítimos de soberania atingidos de modo que não se submeta, unicamente, as obrigações legais da obediência aos quais está subjugado?

Introdução

Até a redemocratização do Brasil (1985 em diante), a defesa dos direitos humanos foi o único instrumento de defesa dos que o regime militar deixou sem recursos legais para evitar violências. O habeas corpus estava suspenso, a imprensa censurada, um mundo de gente exilada e a doutrina de segurança estabelecia que quem não fosse a favor do governo era suspeito de conspiração. Foi uma fase heróica, em que o conflito se travava entre governo/Estado e a sociedade civil, o que significava que o governo estava sempre contra os direitos humanos.

Com a redemocratização devidamente constitucionalizada (1988), não cabia mais aos direitos humanos continuar vivendo uma fase defensiva ,mas deveriam se abrir para horizontes prospectivos ,alargando seu campo de abrangência.

Os anos seguintes à promulgação da Constituição foram riquíssimos . Uma bem-sucedida articulação entre sociedade civil , parlamentares e organizações internacionais resultou na aprovação de leis históricas: o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o SUS (Sistema único de Saúde), a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação, a Lei 9.140/95 ( reconhecimento da responsabilidade do Estado por mortes e desaparecimentos políticos ); o fim do foro privilegiado para PMs nos crimes dolosos contra a vida; a tipificação do crime da tortura; o reconhecimento da competência jurídica da Corte Interamericana de Direitos Humanos; a ratificação dos tratados e convenções de direitos humanos).

Tivemos grandes CPIs relacionadas com direitos humanos: sobre o extermínio de crianças; violência contra a mulher; pistolagem; sobre o deplorável sistema penitenciário. A Comissão de Direitos Humanos foi instituída na Câmara dos Deputados em 1995 e, com ela, as Conferências Nacionais de Direitos Humanos. Nos estados ,foram criadas comissões análogas nas Assembléias, e promulgadas as leis estaduais de indenização por torturas.

Direitos Humanos e os dispositivos de segurança

As grandes desigualdades sociais, uma tradição de autoritarismo e arbítrio,e as debilidades da presença do estado certamente contribuem para que o Brasil seja recordista em criminalidade. Quarenta e oito mil homicídios são cometidos por ano no país. Com o agravante da impunidade : menos de 10% dos homicidas são levados a julgamento.

A sociedade requer fortemente a ação do Estado, mas essa ação, com frequência, é comprometida por distorções como a violência policial. Em 2008, por exemplo,o número de homicídios em São Paulo e no Rio de Janeiro diminuiu, mas o número de mortes por ação policial aumentou.

Entre janeiro e maio de 2008, houve 221 mortes causadas pela Polícia Militar de São Paulo, 21% a mais que no mesmo período de 2007. No Rio de Janeiro, entre janeiro e abril de 2008, a polícia matou 502 pessoas, 12% a mais do que no mesmo período de 2007. Perto de 20% de todas as mortes ocorridas no Rio nesse período foram causadas pela ação policial.

O policiamento repressivo mais forte coincidiu com um aumento dos homicídios policiais em situações oficialmente documentadas, como “resistência seguida de morte” ou “autos de resistência”. No Rio de Janeiro, as matanças subiram de 300 em 1997 para 1.195 em 2003, caindo um pouco em 2005, para 1.098, e voltando a crescer em 2007, quando foram registradas 1.330 mortes por “atos de resistência”.Esse aumento foi acompanhado por um discurso oficial cada vez mais belicoso e combativo. O secretário de Segurança Pública do Rio, em abril de 2005, declarou que “a partir do momento que a polícia trabalha mais, mata mais”.

A classificação de uma morte como lícita ou não é feita por um policial da delegacia com circunscrição competente (conforme artigo 4 da CCP). É ele quem faz a primeira classificação formal, fundamentado principalmente na descrição feita pelo policial envolvido no caso. As mortes devem ser investigadas pela Polícia Civil, mas escassos recursos e o forte corporativismo fazem com que tais investigações em raras ocasiões sejam conduzidas de modo correto, quando realizadas. Os policiais envolvidos na morte,muitas vezes, são as únicas testemunhas que prestam declarações. São raras as vezes em que é feita uma reconstituição no local do crime. A má coleta de elementos periciais pela polícia torna quase impossível a obtenção de provas suficientes pelos promotores públicos para a contestação do registro de ocorrência.

Em 2006, quando a facção criminosa PCC organizou uma rebelião em que foram mortos 40 agentes da lei, a polícia de São Paulo respondeu matando 124 suspeitos de ser integrantes da facção criminosa. Relatório elaborado por uma comissão independente estima que entre 60% e 70% dessas mortes tenham sido execuções e indicou que muitos tiros foram dados à queima-roupa, na cabeça e em órgãos vitais, e que as feridas de entrada tinham trajetória descendente, como se a vítima estivesse ajoelhada ou deitada quando recebeu o tiro. Além disso, informa relatório da ONU, nenhum policial foi morto nesses casos de resistência, o que sugere que não houve confronto violento com os criminosos. Este período demonstrou que há um espaço de legitimidade para a ilegalidade no sistema político.

As execuções extrajudiciais são cometidas por policiais que assassinam, em vez de prender, um suspeito de cometer um crime e, também, durante o policiamento, em confronto de grande escala, que segue o estilo de “guerra”, no qual o uso de força excessiva resulta na morte de suspeitos de crimes e de pessoas na proximidade. A partir de uma operação no Complexo do Alemão, esse tipo de ação passou a ser a principal linha de atuação policial no Rio de Janeiro. Em abril de 2008, após uma operação na Vila Cruzeiro que resultou em nove mortes, o comandante da PM, coronel Marcus Jardim,declarou: “A Polícia é o melhor inseticida social”.

A ausência de políticas de segurança pública que combatam o crime e, ao mesmo tempo, dêem proteção aos direitos dos cidadãos, os baixos salários dos policiais, a falta de recursos e de treinamento adequado e o envolvimento de policiais em corrupção vão tornando o sistema de segurança pública cada vez mais violento. Por lei, os policiais não podem ter outro emprego, mas, com salários baixos, a maioria tem: vão ser seguranças de shopping centers, de lojas ou proteger atividades ilegais como jogos de azar ou tráfico de drogas.

Envolvem-se em atividades criminosas e perigosas; tanto, que no Rio de Janeiro, em 2007, quase quatro vezes mais policiais foram mortos na folga do que em serviço. Além disso, dissemina-se a formação de grupos de policiais, ex-policiais, bombeiros, agentes penitenciários em milícias que buscam tomar o controle de bairros da periferia. Fazem um “policiamento” paraestatal, executam os traficantes de droga,expulsam-nos e estabelecem domínio sobre a comunidade, cobrando taxas e pedágios pela sua “segurança”, fazendo ameaças e intimidando toda a população. Policiais e ex-policiais formam, também, esquadrões da morte ou grupos de extermínio que cometem assassinatos por encomenda nas cidades e na zona rural (contra trabalhadores e indígenas).

O Ministério Público de Pernambuco estima que cerca de 70% dos assassinatos naquele estado sejam praticados por esses grupos ilegais. O relatório final da CPI da Câmara Federal,de 2003, constatou que os grupos de extermínio do Nordeste são formados, em sua maioria, por policiais. Para o jurista e ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Hélio Bicudo, a responsabilização criminal dos policiais militares é dificultada pela existência da Justiça Militar, específica para os policiais militares: “Mas desejo falar da Justiça Militar estadual, que é corporativa. O índice de impunidade na Justiça Militar estadual é muito elevado, o que termina por alimentar a violência da própria polícia”.

Aumento do controle social repressivo

O processo de controle social, totalmente instalado em cada grupo social de nossa atualidade está dando origem a um aumento de redes de ações, porém estas interconexões promovem uma política de gestão da população que instaura a fragmentação social.

Este modelo de controle social faz com que a violência seja um recurso de luta por estes grupos sociais que passam por período de exclusão do cenário político e social ( institucional ). Porém, ao mesmo tempo, os que não são vitimados pela sistema imposto buscam a segurança na individualização; mas esta individualização que é provocada pela burocratização dos sistemas levam pessoas a adotarem medidas, atitudes , que não as podem classificá-las como líderes de si mesmo. Porque ora agem contra o comportamento de um grupo específico, ou ora buscam viver 24 horas sobre a mesma identidade, como um hipersujeito. Este hiperindividualismo do “hipersujeito” leva as pessoas a praticar o imediatismo e o hedonismo; criando a idéia de que há ganhadores e perdedores no meio social.

Estas redes de ações, que são interdependentes, são na realidade redes de poderes que permeiam todas as relações sociais, marcando as interações entre grupos e classes. Mesmo sabendo que o objetivo final do governo seja a população (que aparece como sujeito de necessidade e aspirações do governo), o controle social por intermédio da disciplina nunca foi tão importante para gerir a população, e ele nunca foi tão ineficaz.

Os dispositivos de segurança hoje controlados por meio da utilização da instrumentalização do saber econômico criou um processo de criminalização da pobreza, onde quem está fora do mercado de trabalho será o principal personagem a ser criminalizado. Isto acaba provocando uma degeneração da estrutura social, que coloca como protagonista do mundo do crime pessoas vulneráveis aos mais variados problemas sócio-culturais e econômicos existentes no país. E simultaneamente, as polícias militares estaduais passam a ter suas imagens manchadas pela existência de profissionais corruptos , que passam a atuar no lado do crime, acentuando ainda mais o processo de degeneração da estrutura social.

Quais seriam algumas medidas que poderiam viabilizar uma melhor estruturação das Polícias militares e civis estaduais ?

No ano de 1999, um projeto de emenda constitucional defendia a unificação das polícias civis e militares em cada estado , além da extinção dos tribunais militares estaduais , buscando eliminar o inquérito policial e o controle externo das polícias por ouvidorias, de modo a atingir uma maior busca pela dignidade humana, que não se efetivou.

Atualmente a uma nova tentativa de minimizar as diferenças estruturais e salariais existentes entre as polícias estaduais de nosso país. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania(CCJ) aprovou no início do mês de novembro uma proposta de emenda à Constituição que prevê a edição de lei para fixar um piso salarial nacional para policiais civis e militares estaduais, inclusive os bombeiros militares. O texto (PEC 41/08) determina ainda a participação da União no custeio de parte da implementação desse piso, por meio de fundo formado com receitas tributárias federais.

A proposta é do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Esta emenda foi apresentada pelo relator, senador Demóstenes Torres(DEM-GO), reduzindo de dois para um ano o prazo para o início da implementação gradual do piso. Resultou também de emenda do relator o ajuste que permite a inclusão dos servidores dos Corpos de Bombeiros Militares.

Para antecipar o início da aplicação do piso, Demóstenes propôs que o presidente da República deverá baixar ato dando início à sua implementação gradual dentro de um ano após a promulgação da PEC. Assim, a remuneração mínima começará a ser paga mesmo se ainda não tiver sido aprovada a lei que deve regulamentar em definitivo tanto o piso quanto o funcionamento do fundo que deve complementar o pagamento nos estados sem meios para arcar com a totalidade da nova despesa.

Outras possibilidades são de que os recursos possam vir a ser transferidos aos estados por meio do Programa Nacional de Segurança Pública ( Pronasci ), dentro das prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo.

O mérito da proposta foi ressaltado por quase todos os senadores que participaram da votação. Se passar em definitivo no Plenário, a matéria seguirá para tramitação na Câmara dos Deputados, onde está sendo examinada proposição de iniciativa dessa Casa para fixar piso salarial para os policiais civis e militares.

A infra-estrutura como determinante de uma boa superestrutura

A estrutura do aparelho policial e os salários dos servidores da área precisam ser condizentes com o desafio representado pelos altos índices de violência, cabendo também ao Congresso tomar providências para o enfrentamento dessa questão.

A remuneração adequada é condição vital para buscar manter e atrair na carreira de policial verdadeiros profissionais de qualidade, que tenham motivação e compromisso com a segurança pública e o bem-estar do cidadão.

Se passar em definitivo no Plenário, a matéria seguirá para tramitação na Câmara dos Deputados, onde está sendo examinada proposição de iniciativa dessa Casa para fixar piso salarial para os policiais civis e militares.

Esta matéria ,caso se consolide, poderá vir a ser uma conquista para todos os profissionais da área militar, e traria como conseqüência um processo de valorização do policial, e possivelmente uma diminuição das atividades de corrupção no meio, possibilitando uma melhor integração das corporações estaduais.

Logicamente que isto não é o suficiente para modificar os abusos e as omissões praticadas por parte dos policiais militares e policiais civis (Estado), mas já é uma luz no fim do túnel, já é a possibilidade de uma busca pela cidadania e pela melhor condução das questões dos direitos humanos no nosso cotidiano.